domingo, 22 de outubro de 2017

Os serviços de saúde na Austrália, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha fornecidos pelas sociedades fraternais entre os séculos XIX e XX.

Esse artigo foi publicado na emissão de formulação da revista Winter - 1993-94 através da Free Nation Foundation
Como o governo resolveu a crise dos serviços de saúde - O seguro de saúde que funcionou - Até o governo "consertá-lo". - Por Roderick T. Long
Atualmente, é comum que seja mencionada a condição de crise para os serviços de saúde nos Estados Unidos. Os custos médicos são muito altos e a cobertura dos serviços está fora de alcance para as pessoas pobres. A causa para esse problema nunca é bem esclarecida pelos que abordam, mas a solução parece óbvia para quase todas as pessoas: o governo precisa intervir para resolver o problema.   
Há oitenta anos, estadunidenses também comumente eram mencionados sobre crise nos serviços de saúde dentro do país. Apesar disso, as reclamações eram sobre os custos médicos que estavam muito baixos e sobre a cobertura desses serviços, que estava muito acessível, sic: [a abertura de mercado nos setores de saúde daquela época era inconveniente para alguns grupos de interesse, que desejavam por meio do intervencionismo, suprimir forçosamente a tendência natural da redução de custos por meio da livre concorrência para ampliar os custos e obterem maiores ganhos, conforme será colocado posteriormente]. Nessa época, o governo também interviu para resolver esse "problema", e de fato, "resolveu".
No final do século XIX e início do século XX, uma das primeiras fontes de serviço de saúde e fornecimento de cobertura para trabalhadores desfavorecidos financeiramente na Grã-Bretanha, Austrália e nos Estados Unidos eram as "sociedades fraternais" (em inglês, "fraternal societies", chamadas de "friendly societies" na Grã-Bretanha e na Austrália). As sociedades fraternais eram associações voluntárias de assistência mútua. Os descendentes dessas sociedades sobreviveram entre nós hoje na forma de Shriners, Elks, Maçons e organizações similares, que não encontram atualmente a relevância que tinham anteriormente entre os estadunidenses. Tão recentemente quanto em 1920, quase um quarto dos adultos estadunidenses eram membros de sociedades fraternais, proporção ainda maior na Grã-Bretanha e na Austrália. Associações fraternais eram particularmente populares entre pessoas negras e imigrantes. Na realidade, o famoso ataque de Theodore Roosevelt aos "estadunidenses hifenizados" [pessoas estrangeiras que conservam sua identidade étnica, nacional, religiosa e racial e mesmo assim se consideravam estadunidenses] foi motivado em parte pela hostilidade às sociedades fraternais dos imigrantes. Ele e outros progressistas procuravam "americanizar" os imigrantes por meio de torná-los dependentes do suporte do estado democrático, em vez das próprias comunidades étnicas independentes.
O princípio por trás das sociedades fraternais era simples. Um grupo de trabalhadores formava uma associação (ou se juntavam a uma "filial local" ou a um "alojamento" de alguma associação pré-existente) e pagava taxas mensais ao tesouro da associação. Indivíduos que fossem membros dessas associações poderiam, então, retirar recursos do tesouro quando tivessem necessidade. As sociedades fraternais, portanto, operavam como uma forma de agência de seguro de auto-ajuda.
Na transição entre o século XIX e o século XX, existia uma enorme variedade de sociedades fraternais a serem escolhidas relacionadas aos serviços de saúde. Algumas atendiam a grupos éticos e religiosos específicos, outras não. Muitas ofereciam entretenimento e vida social aos seus membros, ou se engajavam em serviços comunitários. Algumas delas eram administradas inteiramente por mulheres destinadas a oferecer serviços apenas para mulheres. Os tipos de serviços que os membros poderiam escolher eram frequentemente variados, apesar de os mais comuns serem os de seguro de vida, seguro por invalidez e as "práticas [clínicas] dos alojamentos" (lodge practise).
As "práticas [clínicas] dos alojamentos" referem-se a um arranjo que ainda pode ser verificado nas HMOs (health maintainance organizations), sic [o autor se refere a uma organização responsável por seguros de saúde que opera atualmente nos Estados Unidos], em que alguma sociedade particular ou alojamento realizava contrato com algum médico para oferecer tratamento para os membros. O médico recebia um salário regular, com um valor prefixado em vez de cobrar por consulta. Para esse serviço, os membros pagavam uma taxa anual e solicitar os serviços dos médicos quando fosse preciso. Se os serviços médicos fossem insatisfatórios, os médicos eram penalizados e o contrato poderia não ser renovado. Os membros dos alojamentos alegadamente aproveitavam o nível de controle do consumidor que o sistema proporcionava a eles. Além disso, a tendência de usar excessivamente os serviços do médico por motivos inadequados era evitada por conta do auto-policiamento da sociedade fraternal; os membros do alojamento que quisessem evitar futuros aumentos nos valores pagos estavam motivados a ter certeza de que os outros membros não estavam abusando do sistema.
O mais notável eram os custos baixos a que esses serviços médicos eram oferecidos. Na transição entre o século XIX e o século XX, o custo médio das "práticas [clínicas] dos alojamentos" para cada membro estava entre 1 a 2 dólares por ano. O salário de um dia pagaria um ano de serviços médicos. Em compensação, o custo médio do serviço médico no mercado regular estava entre 1 e 2 dólares por visita. Ainda assim, médicos licenciados, sobretudo aqueles que não vieram de alguma universidade de renome, competiam vigorosamente para a realização de contratos com esses alojamentos, talvez por conta da segurança que ofereciam, e essa competição continuava a manter os custos baixos.
A resposta do establishment médico, tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha foi de indignação; as instituições de "práticas [clínicas] dos alojamentos" foram denunciadas em linguagem áspera e em tons apocalípticos. [Segundo os mesmos], as taxas tão baixas e os níveis de cobrança aos médicos estavam acabando com a classe médica. Anda mais, muitos viam isso como um golpe para a dignidade da profissão, em que médicos estavam ansiosos para servir como "serviçais" das pessoas de classe mais baixa. Era detestável particularmente para os mesmos que pessoas com escolaridade tão baixa e em condições sociais mais precárias pudessem estabelecer o quanto os médicos ganhavam pelos seus serviços ou julgar os profissionais para determinar se o serviço deles tinham sido satisfatórios. O governo, segundo exigiam, tinha de fazer alguma coisa quanto a isso, e foi o que aconteceu.
Na Grã-Bretanha, o estado acabou com as "malignas" "práticas [clínicas] dos alojamentos" ao colocar a assistência médica sob o controle político. As taxas determinadas para os médicos passaram a ser determinadas por um grupo de profissionais treinados, ou seja, os próprios médicos, em vez dos pacientes, considerados como "ignorantes". A assistência médica financiada de forma estatal suplantou a "prática [clínicas] dos alojamentos", aqueles que eram forçados a pagar impostos para um sistema de saúde "de graça", quisessem eles ou não, passaram a ter pequeno incentivo para pagar de forma extra para os serviços médicos das sociedades fraternais, em vez de usar o sistema estatal pelo qual já pagaram.
Nos Estados Unidos, o processo foi mais demorado para que o sistema de assistência médica fosse socializado, então o establishment médico precisou alcançar seus objetivos de maneira mais indireta, mas o resultado essencial foi o mesmo. Sociedades médicas, como a AMA (American Medical Association) impuseram sanções a médicos que se atreviam a realizar contratos com as associações. Isso talvez fosse menos efical se tais sociedades médicas não tivessem acesso ao poder estatal, mas de fato, graças aos privilégios concedidos pelo governo, passaram a controlar o processo de licença médica , assegurando, portanto, que aqueles em desfavor teriam licença negada e seriam privados de  exercer a profissão.
Tais leis de licença ofereceram ao establishment médico uma maneira menos evidente de combater as "práticas [clínicas] dos alojamentos". Foi durante esse período que a AMA tornou os requerimentos para licença médica muito mais restritos do que eram anteriormente. A razão, segundo os mesmos, era a de aumentar a qualidade dos serviços médicos. Apesar disso, o resultado foi a queda no número de médicos, decaimento na competição e aumento nas taxas médicas, a grande quantidade de médicos a procura de contratos com as associações foram abolidos. Como em qualquer bem no mercado, as restrições artificiais à oferta dos serviços de saúde ocasionou um aumento nos preços - uma dificuldade que acometeu em particular os trabalhadores das sociedades fraternais.
O fim definitivo das "práticas [clínicas] dos alojamentos" foi ocasionado pelas próprias sociedades fraternais. O "National Fraternal Congress" - tentando, assim como a AMA, obter os benefícios da cartelização - realizou um lobby por leis decretando um valor mínimo que as sociedades pudessem cobrar. Infelizmente, para os lobistas, os esforços foram eficazes e as leis passaram a vigorar. A consequência não intencional foi a de essas leis terem tornado o oferecimento de serviços por essas sociedades fraternais não mais competitivo. Dessa forma, os esforços do "National Fraternal Congress" em vez de formarem um formidável cartel de assistência mútua, simplesmente destruíram o nicho de mercado das sociedades fraternais - e com isso, a oportunidade de uma assistência de saúde a baixo custo para os trabalhadores pobres.
Por que nós passamos por uma crise nos custos de assistência de saúde hoje? Porque o governo "resolveu" a última crise que tivemos.

Bibliografia:

David T. Beito. "The 'Lodge Practice Evil' Reconsidered: Medical Care Through Fraternal Societies, 1900-1930." (unpublished)
David T. Beito. "Mutual Aid for Social Welfare: The Case of American Fraternal Societies." Critical Review, Vol. 4, no. 4 (Fall 1990).
David Green. Reinventing Civil Society: The Rediscovery of Welfare Without Politics. Institute of Economic Affairs, London, 1993.
David Green. Working Class Patients and the Medical Establishment: Self-Help in Britain from the Mid-Nineteenth Century to 1948. St. Martin's Press, New York, 1985.
David Green & Lawrence Cromwell. Mutual Aid or Welfare State: Australia's Friendly Societies. Allen & Unwin, Sydney, 1984.
P. Gosden. The Friendly Societies in England, 1815-1875. Manchester University Press, Manchester, 1961.
P. Gosden. Self-Help: Voluntary Associations in the 19th Century. Batsford Press, London, 1973.
Albert Loan. "Institutional Bases of the Spontaneous Order: Surety and Assurance." Humane Studies Review, Vol. 7, no. 1, 1991/92.
Leslie Siddeley. "The Rise and Fall of Fraternal Insurance Organizations." Humane Studies Review, Vol. 7, no. 2, 1992.
S. David Young. The Rule of Experts: Occupational Licensing in America. Cato Institute, Washington, 1987.

Sobre o autor:
Roderick T. Long é um filósofo e professor de filosofia na Universidade de Auburn (Alabama, EUA). Autor dos livros "Reason and Value: Aristotle Versus Rand" e "Wittgenstein, Austrian Economics, and the Logic of Action", é também editor do Journal of Ayn Rand Studies, membro sênior do Mises Institute (MI) e do Center for a Stateless Society (C4SS).


Tradução e complementos realizados por Bruno Dante Galvão de Medeiros.

Partes colocadas entre parênteses tratam-se de alguns complementos ao texto na íntegra.

Artigo original em inglês pode ser encontrado em:
http://www.freenation.org/a/f12l3.html


Mediante esse artigo, foi disponibilizado inclusive um vídeo elaborado originalmente por Stefan Molyneux, uma versão traduzida foi disponibilizada no canal do "Students for liberty", que coloco logo abaixo:

Essa tradução foi realizada com auxílio da tradução de Daniel Coutinho, com revisão de Adriel Santana essa tradução na íntegra não pode mais ser encontrada em suas fontes originais então disponibilizo o texto escrito originalmente por esses dois autores a seguir. O texto está reduzido, mas pode ser lido de forma completa através da opção "Continuar lendo.../Ocultar texto." colocada a seguir:

"Como o governo dos EUA “resolveu” a crise no sistema de saúde

O Seguro de Saúde que funcionava – até o governo “consertá-lo”.

Hoje, nos dizem constantemente que os Estados Unidos enfrentam uma crise no sistema de assistência médica. Os custos dos médicos são muito altos e o preço dos seguros de saúde está fora de alcance dos pobres. A causa desta crise nunca é explicada, mas a cura é óbvia para quase todo mundo: o governo tem de se intervir para resolver o problema.




Comentário do autor da postagem (Bruno Dante Galvão de Medeiros):
Reitero que não sou contrário ao fato de os médicos poderem formar clínicas ou salas de cirurgia e estabelecerem seus próprios preços de forma independente, trazendo algum diferencial ou não em relação aos médicos das associações, como já acontecia anteriormente, nem sou contra medidas que melhorem os ganhos dos médicos sem ocasionar em lobby, como caridade ao setor de saúde, algum financiamento voluntário, tanto quanto migração de médicos mais insatisfeitos para alguma região que os pague de uma forma que considerem melhor, provavelmente com pessoas que tenham melhor condição para os pagar, tampouco sou a favor de medidas governamentais ou lobbys que limitem a atuação dos médicos e as possibilidades de alcançarem algum retorno melhor com o trabalho, lembro também que esse caso é específico ao contexto daquela época, em que havia muito mais pessoas passando por necessidades e favorecendo um quadro com ofertas de valores menores de pagamento aos médicos, conforme a necessidade que existia, além disso, as vagas de emprego criadas relacionadas a essas as associações, que passariam a deixar de existir em outras condições, favoreciam esse quadro, pois conferiam estabilidade a médicos que passaram a ter emprego por conta dessas vagas, é sempre possível haver interessados que estariam desempregados em outras condições e vivendo com uma estabilidade muito menor. Também é importante considerar que os médicos que participavam das sociedades fraternais podiam a qualquer momento formar suas clínicas independentes estabelecendo seus próprios preços, mas preferiram atuar nessas sociedades, sobretudo por conta da estabilidade da demanda, o número de empregos na saúde caiu drasticamente após a intervenção governamental nos casos analisados.

Os serviços de saúde na Austrália, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha fornecidos pelas sociedades fraternais entre os séculos XIX e XX.

Esse artigo foi publicado na emissão de formulação da revista Winter - 1993-94 através da Free Nation Foundation Como o governo resolveu ...